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nota de rodapé: sobre o silêncio e a vingança

por Zé Mariano
foto de maria cecilia chaves machado para poemas de zé mariano

Zé Mariano, poeta, pesquisador e professor. Formado em Letras, pela Universidade de São Paulo, é mestrando em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa, pela mesma faculdade, lidando com temas como literatura afro-brasileira, literatura e identidades e relações de gênero em produções artísticas. Foi editor da revista Crioula, publicação virtual de pós-graduandos do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP. Atua também como educador em torno de temas como literatura, educação e relações étnico-raciais. Teve poemas publicados em portais e revistas eletrônicas.


Nota de rodapé: sobre o silêncio e a vingança

Por ditarem-me a ausência,
Fui execrado como homem
Crente das penúrias de
ser amado e desejado.

Tocado por um braço forte,
Criado da conexão daquele que
Ouve o chiado paterno
Do bonde a levar a vida.

Ouvi barulhos …

(sim, diziam sobre mim
e sobre ele.
aquele que veio antes de mim.

antes do rebuliço
do meu sigilo
rogar: silêncio,
teu coração é da
cor do barro.)

… Chorei lágrimas de santo
Pois sabia que do meu penar
Ressurgiria o ódio eterno
Daqueles que foram calados
Com pão, vinho e sangue.


Criptografia às Naus

I.

Atraquei meu escravos no mar
Pois doía chorar uma dor
Que em palavras não posso contar.

II.

Das mãos abertas enlaço a terra
Colhendo o fruto que os outros
Arrancaram de mim.

Retiro a venda do meu rosto.
Mesmo que com esses olhos
Enxergue muito menos
Que o cão cego a andar.

Despido, estou a encontrar
Caminhos e pedregulhos ao fim.

E sinto nesse ínterim,
No fio de linha
De laços talhados,
Meus dedos carpindo
as migalhas de pão
entregues por um velho
que exigia um abraço.

III.

De joelhos, ele orou a Deus:
Cristo,
Peço-vos misericórdia,
Tire-me a vida.

IV.

Atraquei meus escravos no mar
Pois doía chorar uma dor
Que em palavras não posso contar.


“Capitão de Campina”

Por que bate em mim
O sino da chegada
E da descida do açoite?
Se de mim sai o açoite
assaltando o corpo sagrado
de bruços no tronco?


Ó Magne Pater: Psalm 129/130

Botou-me no colo e
Bofeteou minhas costas
Como quem estapeia
Um burro de carga.

E aquietou-me:

– Levante a cabeça e seja o que lhe foi destinado.

Lembrando agora,
Nunca soube se
falava de mim
ou da sombra
que refletida ao sol
me tornava maior.

No entanto, compreendo:
Das mãos ficou esta marca.

E de tanto sabão e esponja esfregada,
tornou-se pele viva, ferida encruada.

Anos mais tarde,
Um anjo piedoso de infinito saber
(da tez da lisa feição pueril)
Voou e tombou
Em um ataque cardíaco.

Se pondo aos meus pés
chorando baixinho.

Trazendo consigo as
Penitências do mundo.

Falando ofegante
Em seu último Adeus:

– Perdão, meu paizinho,
Eu só queria ser Deus.


Carta Endereçada a Quem Me Ama e a Quem Me Mata

Teci linhas paralelas
Para dar sentido ao
Que nunca foi coeso.

Sabia que a bola chutada
Naquela rua cor de argila
Estava murcha.

Pois murcha estava os fundos
Dos olhos de minha mãe.

Que surrupiaram uma vontade de ser.

De estar em sentido completo.

De imaginar-se certa
Como as linhas do caderno:
Em pézinhas,
Sem nenhum medo de entortar-se.

E passadas páginas e páginas,
rígidas as medulas ósseas
impretéritas pelo tempo,
Poderia facilmente ditar suas vontades.

Porém o que ganhou ao fim
Foram alguns trocados por fazer
O mínimo ordenado pelos
Algozes dos seus.

Por isso rasgo no caderno
Essas linhas paralelas.
Pois sinto o cheiro do ópio
Invadir meus pulmões
Matando um por um,
Sem dó nem piedade,
Os que enforcaram
Minha mãe,
Minha irmã
E minha avó.

Pois te disse no início
E repito, Verme,
Porco,

⠀⠀⠀⠀⠀⠀Conjuração de minha eterna diferença,

Nunca nada aqui foi coeso.

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